Mãos calejadas, pele maquiada pelo suor do trabalho e pelas andanças da vida. Baltazar Olegário, nascido em 01/05/1940, começou a trabalhar aos 8 anos de idade em uma usina açucareira. Cortava e também carregava a cana para encher vários caminhões ao dia com outros lutadores. A peleja diária era de duas da manhã até duas da tarde.
Desde cedo, a vida fez questão de não ser fácil para Batata, como às vezes é chamado por algumas pessoas. E apesar da ingratidão do destino, o sorriso e o otimismo ignoram as marcas sofridas de uma luta dura, dentro do ringue diário do mundo.
Se a dureza foi firme com ele na infância, não haveria motivo para não ser nos seus quase 80 anos. As circunstâncias fizeram Baltazar trocar os fechos de cana por montes de lata, a usina pelas ruas, os caminhões pelos sacos. Dois pesos e a mesma medida. A mesma medida de quem trava a penosa batalha da sobrevivência, quase nunca notada pelas lentes deslumbradas da sociedade. É frequentador assíduo hoje das ruas de Passos. De segunda a quinta-feira, bate o cartão da honestidade a partir da meia noite e duela com a madrugada, muitas vezes até o sol lhe cumprimentar. Aos finais de semana, o ofício começa às vinte horas.
Mas o homenzinho, aparentemente mais um no meio de tantos, é mais um no meio de todos. De todos nós. Na inocência do catador de latas, lembranças proferem, sentimentos respiram, sonhos existem, uma história se erige. Ajudou na Construção da Barragem de Furnas; saiu de casa fugido em um caminhão leiteiro; passou pelo Exercito em Três Corações no ano de 1966 ; viu de perto o rei do futebol em visita à cidade, mas a única fotografia com Pelé está na memória.
Filho de mãe baiana e pai passense, Baltazar frequentou pouco a escola. Mas é um autodidata da vida. Sua rasa experiência com o universo escolar se deu quando ele morava na Fazenda Cachoeira, município de Passos. Diz que aprendeu as coisas ouvindo pessoas. Nas andanças pelo mundo, fazia comida onde se instalava. “O pessoal gostava e me dava dinheiro”, conta imponente. Certa época, atrás de emprego e sem condições para pagar uma pensão, dormiu em um cemitério em São Paulo. Mas diante das assombrações que a vida lhe apresentou, se manteve vivo.
O tempo se encarregou de colocá-lo novamente onde nasceu. Apesar de atividades avessas, o duelo com a necessidade do trabalho é o mesmo na terra natal. O que valoriza ainda mais sua brandura. A simplicidade de Baltazar é impossível de não ser notada e é um golpe duro em nossa vaidade. Ele fala com orgulho de sua história e conta faceiro sobre a vida de labuta que carrega. Ignora celular, gosta de relógio, mas deixou de usar, porque não bastassem algumas sacanagens da vida, no seu caminho cheio de curvas fechadas, seres desumanos o calotearam.
Mas Baltazar segue absoluto na arte de presentear a dignidade. Casado, pai de cinco filhos, quatro homens e uma mulher e avô nove vezes; diz que gosta do que é certo, que trabalhando está feliz e sonha com um mundo sem maldade. Uma história de 77 anos contada em pouco menos de 60 minutos e que se quer desperta a curiosidade por poucos segundos. Um retrato da verdadeira rede social que passa longe do facebook, instagram e dos nossos olhos reféns do óbvio.
Eram quase quatro da manhã quando nossa conversa terminou. Após nos despedirmos, ainda fiz mais uma pergunta:
– Seu Baltazar, o senhor quer uma carona?
– Obrigado, meu filho! Preciso voltar a trabalhar.
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