Por: Gabriella Alux
Logo que a China anunciou o surto do novo Coronavírus, me lembro de considerar uma realidade muito distante, pois, afinal de contas, a China fica do outro lado do planeta. Quando comecei a ver vídeos de moradores italianos alertando toda a população sobre a seriedade do vírus, já causou reações de apreensão, sem saber no que aconteceria em um futuro próximo, mas, mesmo assim, não considerei conviver com o vírus, afinal, o Brasil se situa nos confins dessa Terra. Por isso, com os primeiros casos em São Paulo, os alertas aqui e ali, monitoramentos das reais situações e início de medidas preventivas, a realidade foi se aproximando do interior de Minas Gerais e tudo foi uma grande surpresa até perceber a dimensão de uma pandemia. Tudo o que eu tinha estudado nos livros de história e imaginado que os próximos estudantes estariam vendo sobre o agora, estaria se concretizando em uma das piores pandemias do novo século.
Com as iniciais medidas de controle e prevenção da doença Covid-19 - considerando que cada lugar foi sendo feito de uma maneira diferente da outra - me lembro de pensar o que eu deveria fazer. Lembrava das pessoas estocando papel-higiênico nos Estados Unidos e até mesmo considerei estocar meus achocolatados e cookies industrializados. O maior perigo era com os idosos e eu morava com meus avós, e agora? Tinha uma rotina pertinente e diversos planos, desde tirar carta de motorista, começar pesquisa na faculdade, pegar meu novo aparelho auditivo, continuar meu estágio e até mesmo matricular no Ballet de novo depois de tantos anos ambiciando voltar. Acontece que no dia da minha prova de direção, a quarentena começou, a notícia que meu aparelho estava pronto, já não foi tão alegre, visto que não poderia pegar em Alfenas. As pesquisas da faculdade foram suspensas e até mesmo as aulas. Meu estágio virou um serviço home-office e a rotina já tinha sido desconstruída por completo.
Entender que o álcool em gel não mais era sinônimo de uma pessoa extremamente higiênica e preparada para qualquer situação para tê-lo em sua bolsa, mas sim, ítem condicional para trafegar pelas ruas, assim como as máscaras já não eram sinônimos de acessório que relembra o seriado Grey's Anatomy e diversos médicos na sala de cirurgia, foi difícil. Ainda mais com a adaptação não só nossa, mas do mercado para conosco. Se o álcool em gel era facilmente encontrado, agora estava 180% mais caro e se tornou mais raro do que qualquer pedra de brilhantes. Se a máscara era, de forma caricata, azul-transparente com elástico branco, agora temos um leque de variedade, desde na cor preta, até personalizados e com estampas de onça, por exemplo. Acontece que o mercado foi mutável às necessidades atuais e tivemos que, de alguma forma, nos adaptar conforme a nossa realidade. Não vi muita gente estocando comida aqui no Brasil - além daquele período de medo inicial -, mas vi questionamentos sobre continuaria a situação de funcionários, empregadas domésticas, empregados que tinham a necessidade de sair e até mesmo os serviços unicamente presenciais e úteis, como funcionariam?
A prática do isolamento social foi uma polêmica que só, visto que o ato de necessidade se tornou objeto de politicagem e começou a ter "lados" certos. Acontece que essa nova briga de esquerda e direita já não se tratava do novo governo ou itens de uma lei, mas da saúde de uma nação. Nenhuma briga seria necessária a não ser por escolher ficar ao lado da população e ser um bom líder ao ponto de passar por tempos difíceis remando esse barco ao invés de discutir se o remo deveria ser de madeira ou ferro. Vi muitas objeções ao isolamento social e até mesmo manifestações contra o uso de máscara.
Não me dou ao luxo de compartilhar de nenhum lado, visto que meus avós continuavam em casa correndo riscos. Depois dos primeiros vinte dias isolada, lembro de ter que ir ao supermercado comprar comida e pagar conta na lotérica. Queria eu ter todas as roupas sanitárias, porque me senti extremamente vulnerável e estava assustada com a nova realidade. Quando cheguei em casa, faltei corroer os sacos plásticos com a quantidade de água sanitária e álcool em gel, além do banho imediato e afastamento da família em casa. Além da falta de amigos, minha mãe também se tornou uma suspeita da doença que até então era do outro lado do planeta. O medo chegou a brigar com a minha fé, mas tive que aprender a confiar e acreditar que de alguma forma tudo colaboraria para acabar bem. Medo interno nenhum foi suprido pelas ações políticas da televisão, pelo contrário, preferi me tornar uma estudante de jornalismo alheia aos comentários de William Bonner e demais jornais.
Apesar de querer continuar na minha bolha e lidar com a difícil situação pessoal, fui confrontada com as demais realidades que o Brasil tem, além de todo o mundo. Percebi que minha ida ao supermercado não se equivale à vulnerabilidade dos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pessoas em situação de rua, refugiados, ciganos, moradores de favela e periferia, aqueles que vivem com HIV/Aids, trabalhadores informais e outros grupos que estão à margem da sociedade. Além disso, em meu estágio, diversas vezes me deparei com reclamação de pessoas querendo que o comércio fosse reaberto, mas como que se faz isso com os índices de morte subindo? Situação difícil, pois além desse índice, aqui em Passos, por exemplo, 40% foram demitidos e muitos já não tinham como nem colocar a comida na mesa. Como me referi antes, politicagem alguma se assemelharia à real necessidade das pessoas. A ambição de se encaixar em um discurso não pode ser maior do que a vontade de salvar uma vida, mesmo que seja uma em 200 milhões.
Pude reparar muitos comportamentos e novas realidades com essa pandemia. Apesar de não criticar ou tem nada contra quem tem bilhões de dinheiro, a taxa de pobreza em nossa sociedade realmente assusta. A utilização da internet e os assuntos que ficaram em alta nesse período também podem ser considerados espelhos de nossa sociedade. É lógico que é urgente e necessário que se lute contra o racismo, mas como dizer aos meus avós que a luta se tornou uma manifestação aplaudida até mesmo por médicos e que, novamente, tudo não passava de politicagem de um importante assunto? Como falar para os leitos na UTI que as pessoas estavam fazendo festas em casa e furando a quarentena? Como lidar com um espelho tão sujo da nossa sociedade que mesmo em meio a pandemia que nos coloca em posição de proteger o outro (distância do outro e máscara para proteção do próximo) poderia nos revelar tão individualistas? Já não se tratava de papeis higiênicos sendo estocados em supermercados, mas sim, de atitudes que revelam que a vida de alguns já não eram tão valiosos ao ponto de eu seguir uma precaução ou pensar antes de ser irresponsável.
Tanto no lado econômico, como social, a responsabilidade foi o que falou mais alto. O comportamento das pessoas diante dessa pandemia muito mostrou o que realmente somos perante o outro. Se antes tínhamos convenções sociais e boas maneiras para mascarar o mau-caratismo, agora, apesar de mascarados, pequenas atitudes já revelariam o que se tem de fato dentro de si. Cada gesto individual tem grande impacto no coletivo. E isso que deveríamos levar para o futuro, quando a pandemia já não assolar mais o nosso mundo.
Percebi que a quantidade de lixo diminuiu com o isolamento social. Por que não se é possível ter esses dados diminuídos em uma realidade normal? Tanto o papelzinho que é descartado na rua, as sacolas plásticas colocadas nas calçadas em dias errados para ter probabilidade de animais de rua espalharem e também ocasionarem em mau-cheiro, além dos lixos eletrônicos e os orgânicos. Ficando em casa, pude fazer uma horta maior e aproveitar o melhor da natureza sem agrotóxicos, por exemplo, e até mesmo descobrir como reutilizar os lixos orgânicos para fazer adubos. Ao ficar em casa, caso o esfoliante facial acabasse, a borra restante do café já cumpriria com esse papel. Até mesmo uma casca de banana virou um "frango desfiado" em uma receita de coxinha que minha amiga fez.
Outra coisa a se pensar é o lixo eletrônico.
É lógico que cada um faz o que quer e ninguém é obrigado a ficar com o mesmo celular por anos apenas para cumprir um protocolo social. Mas é preocupante como a obsolescência programada nos torna consumidores de objetos que, se fosse por análises minuciosos de o que realmente necessitamos em casa e na vida, jamais imaginaríamos comprar e ter. A partir disso, uma atitude muito bonita que foi propagada na internet, foi a importância de comprar em comércios locais e pequenas empresas. A valorização que esses estabelecimentos tiveram através de atitudes do tipo, foi possível manter o financeiro e até mesmo auxiliar no período de incertezas e dificuldades por conta da pandemia. A importância também pode ser vista em trabalhos que normalmente são desvalorizados. Como, por exemplo, se há excesso ou não de lixo nas ruas, os catadores de lixo certamente continuaram trabalhando para esse fim. Esse e outros trabalhos tiveram uma lupa de visibilidade de o que representam em nossa sociedade e espero que com o fim dessa pandemia, todos sejam realmente devidamente valorizados.
Um outro gancho que pude perceber a partir dessas observações é o comodismo e zonas de conforto prejudiciais à saúde. Ao ficar em casa para não nos contaminarmos com o novo vírus, se tornou importante também que tivéssemos uma atitude responsável conosco e déssemos mais atenção para nossa saúde. É muito fácil ficar em casa sedentário e apenas comendo fast-food, mas a urgência pela saúde fez com que questionássemos até mesmo a origem desses alimentos industrializados e percebêssemos como é importante cuidar de nosso corpo com foco em saúde. Os exercícios físicos, por exemplo, muitas vezes tinham objetivo mais em se exercitar realmente do que focar em uma ambição física específica. Sabemos que nosso corpo aqui na terra é temporário, mas trazer a discussão para a importância da saúde, serviu para que possamos rever nossos hábitos alimentares e até mesmo os famosos "lanchinhos" na rua ou outra atitude que tínhamos no automático.
É óbvio que tantas outras observações podem ser feitas com qualidade nesse espaço, sem contar as demais lentes pessoais vista por cada um de nós, mas, para concluir, quero focar em uma afirmativa. O mundo não voltará ao normal. Antes, eu ficava esperançosa em um mês de quarentena até que tudo pudesse continuar voltar e eu pudesse viver a vida normal. Bom, esse um mês na verdade já está no sétimo, e se eu estava esperando algum incentivo para viver minha vida normalmente, isto é, como antes, posso considerar a quantidade de meses que estou com as diferentes tarefas de rotinas sob quatro paredes (trabalho, faculdade, igreja, lazer, etc.). Se eu tivesse que esperar o fim da quarentena ou a "largada final" do vírus, que em uma realidade paralela daria 'tchau' ao mundo e nunca mais voltaria, talvez eu perdesse muita coisa.
É preciso utilizar as estratégias necessárias agora para nos adaptar ao novo normal, porque o antigo, não volta. Parece maldade afirmar tal coisa, mas não é, pelo contrário, a preparação de que o porvir pode ser muito melhor que antes e que tudo que fazemos agora faz parte disso, deve ser discutido e interiorizado em cada um. Não estou fazendo um discurso de rebeldia e muito menos incitando o fim da quarentena para cada um, pelo contrário. A quantidade de livros e histórias em livros que conheci na quarentena, a quantidade de lamentos, choros e sorrisos, saudades, abraços à distância e valorização daquilo que realmente importa. Eu pude confrontar a minha realidade. Sinto que a menina que queria estocar achocolatado e cookies no começo já não pensaria dessa forma hoje, assim como me sinto ainda mais preparada para um exame de direção, para escutar melhor, para pesquisar novas ideias, ser mais intencional com meu curso e até mesmo em meu estágio e futuro.
Cada instante é precioso, vimos como a vida é apenas um sopro que um vírus tão pequeno pode causar tanto estrago. Mas aí que está a diferença. No pouco, no pequeno, no indivíduo, em uma cabeça, em uma vida. E tudo isso impacta tudo a nossa volta. Precisamos começar a entender nossa responsabilidade como cidadãos, seja social e econômica, mas também comportamental ao ponto de enxergar, nesse novo mundo, o outro além das máscaras.
Artigo desenvolvido para a matéria de Realidades Econômicas e Políticas Regionais.
5º Período de Jornalismo.
Comments